A imagem mostra as duas novas espécies descobertas, com os órgãos elétricos.O Brachyhypopomus walteri (no alto) possui uma cauda longa e afinada e produz tanto descargas elétricas positivas quanto negativas. Já o Brachyhypopomus bennetti (abaixo) tem uma cauda curta e larga e produz apenas descargas elétricas positivas. Crédito: John P Sullivan
Manaus, AM - Nas várzeas ou lagos da Amazônia, uma pulsação elétrica irregular, ainda que imperceptível para os seres humanos, indica a perigosa presença de um poraquê (Electrophorus electricus), peixe-elétrico que pode ultrapassar dois metros de comprimento e é capaz de dar choques de 600 volts. Mas cientistas acabam de descobrir que um outro peixe-elétrico bem menor, um inofensivo sarapó de apenas um palmo de tamanho, emite um sinal parecido. Os responsáveis pela descoberta desconfiam que essa semelhança não e coincidência, mas uma estratégia de defesa do peixe.
Esse imitador recém-descoberto, batizado de Brachyhypopomus bennetti, foi descrito em um artigo publicado na edição de 28 de agosto do jornal científico Zookeys. No mesmo artigo, o grupo de pesquisadores, que inclui dois brasileiros, descreve outra espécie do mesmo gênero e muito parecida, o B. walteri. Ambas são encontradas em ambientes de água barrenta ou branca, como os rios Amazonas e Solimões.
Na Amazônia, existe uma centena de espécies de peixes-elétricos. Quase todos usam as descargas emitidas por células musculares modificadas para se comunicarem com o ambiente. Graças aos sinais elétricos, podem identificar predadores e obstáculos no caminho, encontrar outros da mesma espécie e até saber se estão prontos para reprodução. São choques com apenas alguns volts, imperceptíveis para seres humanos. O poraquê é uma exceção. Além de perceber o ambiente ao redor por meio da eletricidade, ele possui orgãos elétricos mais desenvolvidos, que podem disparar potentes descargas para atordoar presas ou servir como arma de defesa.
As duas novas espécie possuem uma característica incomum para os peixes-elétricos, os dentes, e são muito parecidas entre si. "São facilmente confundidas até por especialistas, mas quando analisamos as descargas elétricas vemos que elas são diferentes entre elas e também de outras espécies descritas para o mesmo gênero", conta o biólogo Jansen Zuanon, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e um dos autores da descrição das novas espécies.
O B. benneti possui o órgão elétrico mais desenvolvido, que se estende por um comprimento maior do corpo. Além disso, possui uma cauda mais curta e grossa. Mas o que intriga os cientistas é a pulsação monofásica dessa espécie. Zuanon explica que, enquanto outros sarapós emitem pulsos elétricos em forma de ondas, com cristas positivas e negativas, essa nova espécie emite apenas pulsos positivos. No caso do B. walteri, existem pulsos negativos, mas eles são bem mais fracos do que os positivos. Nos registros feitos pelos pesquisadores, o som emitido pelo campo elétrico do B walteri se assemelha ao barulho motor de um barco. Já o B. bennetti tem pulsos com intervalos maiores e irregulares.
A sequência de pulsos elétricos do B walteri é mais parecida com a de outras espécies do gênero e lembra o barulho do motor de um barco.
Pulsos elétricos do B bennetti não possuem sinal negativo e variam de ritmo. Para os cientistas, pode ser uma forma de imitar o poraquê.
"Se não fosse por essas características, nós teríamos pensado, sem dúvidas, que são apenas uma espécie", afirma o curador afiliado do Museu de Vertebrados da Universidade Cornell, John Sullivan, que também assina o artigo. "Todos os parentes deste peixe, incluindo a espécie irmã recém-descrita, têm órgãos elétricos bifásicos. Por essa razão, sabemos que essa característica evoluiu na linhagem desta espécie. A pergunta interessante é por quê?", questiona Sullivan.
A resposta parece estar na estratégia de defesa deste sarapó. As duas espécies vivem ao longo das várzeas e nos lagos da Amazônia, em meio a plantas flutuantes, onde estão também as enguias e bagres capazes de perceber as pulsações elétricas que eles emitem. É muito comum serem encontrados peixes dessas espécies mutiladas em ataques de predadores.
Essas mutilações ocorrem principalmente na cauda, responsável por emitir pulsos elétricos de sinal negativo. Enquanto outras espécies sofrem consequências danosas dos ferimentos sobre o campo elétrico, o B. bennetti é bastante resistente, pois só emite sinais positivos.
Mas é no ritmo dos pulsos elétricos que os pesquisadores descobriram outra vantagem dessa espécie sobre outras do mesmo gênero. Conforme explica Zuanon, os pulsos elétricos do B. bennetti são irregulares, assim como os do poraquê. Isso leva os cientistas a acreditarem que é uma forma de mimetismo, semelhante às borboletas que evoluíram para um padrão de cores semelhante ao das monarcas, que possuem um sabor desagradável para os predadores. Esse recém-identificado peixe-elétrico não e capaz de machucar ninguém, mas quem já levou choque de poraquê não vai se arriscar, mesmo que por perto esteja apenas um sarapó.
Por: Laiza Sarmento
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